segunda-feira, 17 de março de 2014

Desaprendizagem: um exercício



Depois de certa idade
O aprendizado da vida
Consiste em desaprender

É importante desaprender o amor
Desidealizá-lo
Até se tornar uma tarde de domingo
Apenas

Importante desaprender a pressa:
A vida tem seu ritmo
E ele é lento
Rápidos são os versos doentes
E as meretrizes. 

Desaprender os livros lidos
Os personagens
E seus autores
Que, apesar de respeitáveis,
Sentiam-se ínfimos
Em certas auroras
Como nós…

Desaprender certos enfeites
Que mais pesam do que ajudam
Exemplo: linguajar afetado
Supervalorização do eu
E da coleção de latas de cerveja

É importante ressaltar
Que a artificialidade do sorriso
É muito desimportante
Bom é não treinar o sorriso
Deixar que ele floresça
Livremente
Igual às macegas

É fundamental desaprender
Certas lutas e alguns desassossegos:
Nem a revolução nem a tecnologia
Vão inventar a máquina de felicidades

Não dá pra lutar contra o dinheiro
Mas é preciso ganhar o suficiente
Para não precisar pensar nele

Inevitável desaprender o que os pais nos ensinaram
E, em troca, ensinar-lhes
Tudo que desaprendemos
Até que se sintam
Menos graves
E mais vulneráveis
Ao entardecer

Faz-se necessário
Saber
Que um copo d’água
Tem mais utilidade que um computador

E que num computador
No entanto
É possível
Escrever poemas
E outras coisas sem valor mercadológico

É forçoso desaprender os caminhos
E perder-se um pouco
Vezenquando
Corre-se o risco de encontrar uma moeda
Um arco-íris neste caminho diverso

(No desaprendizado descobrimos que as coisas
Colhidas em laborioso estudo
Ou a esmo
Só serão importantes
Quando vivenciadas, de fato
O lugar mais comum é obscuro
Sem a experiência
Como dizer da maçã
Sem prová-la?)

Chega um tempo em que os verdadeiros sábios
Que podem nos ensinar qualquer coisa útil
São as crianças





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