quarta-feira, 29 de abril de 2015

Sem título

Um escaravelho no teu coração
Uma asa escura de morcego
Inflige teu olhar

Teus braços roxos
Das mordidas de lacraus
A garganta aberta
Pelas cruas lâminas
Da ciência

Imóvel com um rochedo
E os abutres vestidos de branco
Investigam teus rins

Não sei se ainda estás
Ou dormes profundamente

Eu tento encontrar antídoto
Para minhas lágrimas e dor

Olho para o céu
É somente o céu

Cinzento

terça-feira, 28 de abril de 2015

Jogo de Cartas

Meu avô continua a embaralhar as cartas
A servir aguardente aos outros jogadores
Ele não quer que a partida termine
Não quer que a noite termine
Não quer que a aguardente termine

E almeja a eterna lua moribunda
e põe num canto o relógio de pulso
e a vida postiça que arde qual vela murcha

As cartas têm cheiro de cigarro
E meu avô esquece o tempo
Está eternamente ali – jogando
Com os parceiros prestes
Em apostas e gracejos

Um dia, finalmente, hei de participar do jogo
Numa noite serei acolhido pelos insones jogadores
Noite que não prevê

Um amanhecer

Farewell



Em quantas línguas é possível dizer adeus?
E quanto adeus ficou por dizer
por se ignorar que era a derradeira
chance de dizê-lo?

Em quantos poemas?
Em quantos dias de chuva?
Sob quanta luminosidade de velas?

Haverá, afinal, dentro desse corpo-mistério
que é memória, morte
alguma razão para o adeus?
Haverá, além de fonemas
“deus” nesta palavra

tão simples dura e incerta?




segunda-feira, 27 de abril de 2015

A Outra Voz


Arranca do rosto esta máscara de animal doméstico
Adaptável às contingências
Parte em mil pedaços este sorriso aplainador de arestas

Grita rudemente contra esse cosmopolitismo contratual
E familiar
Rebela-te contra o sangue contra o medo paralisante
Das escadas de teu pesadelo

Crava tua espada ríspida na noite
Despe-te do desconforto de gestos ancestrais
Revoga teu destino inventa teu destino escreve
Uma batalha contra o tempo e a morte
E exaurido
Morre honestamente em campo sagrado

E deixa que teu dia amanheça