terça-feira, 30 de junho de 2015

São Francisco

Gatos sentados nos monumentos  
Sem darem conta do significado do lugar
Sem darem conta do rastro de lágrima diário...

Adentrando o labirinto de tijolo e mármore
Observei as incontáveis lápides
Atentando em alguns nomes obscuros e datas.
Pensei em todos que ali descansam:
Em algum momento da vida, corriam
Faziam planos  ficavam nervosos,
E almoçavam rápido para não perder a hora

Hoje estão livres
Hoje não precisam pagar contas
Dispensados de trabalhos embrutecedores
E sem finalidade
De entrar em filas.
De extrair dentes.
Fazer exames preventivos.
Ir a festas pelo bem da diplomacia.
De tomar remédios para insônia.
De ir ao psicólogo.
De contrair dívidas e fungos.
E também se livraram do inconveniente de ir a velórios 

Alguns, por momentos em que não se sentiam vazios,
Puderam ver arrebóis, apreciaram o gosto do café,
Sentiram a melodia de algumas canções
E o riso de uma criança.

Estão todos descansando porque  
Nem os deuses querem a imortalidade.
Chegas uma hora que cansa isso tudo.
Bastam alguns momentos bonitos
No mais é isso, tudo está certo
Um dia eu estarei, também 
Nas pequenas caixas de cimento
Descansando
Ou simplesmente ausente

Outros estarão loucos, comprando a prazo,
Fazendo empréstimos para trocar de carro,
Inquietos 
Com insônia

E indo a cartomantes.

domingo, 28 de junho de 2015

Poema

que nossa investida não seja vã
que nossa luta não seja abafada
pelo ruído de serras cortando aço
               e o estrídulo de concreto
                                         aniquilado

que exista um espaço
mesmo exíguo
para podermos respirar
e nos apropriar de símbolos ocultados
entre as pedras do nosso desatino

que nossa voz não seja um balbuciar
numa jaula de bramidos turvos

e o gesto físico
o arrojo - a palavra além da folha
permaneçam palpáveis
quando tudo derruir

por que no fim
ainda haverá música.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Quando Abriram Meu Coração

Quando abriram meu coração
Ele estava encharcado de vinho
E saudades

Quando abriram meu guarda-roupa
Tão só velhas roupas
Aroma de tabaco
E mofo

Alguns dos meus livros
Ficaram com Helena
Outros com Vanessa
O resto
Foi doado para a biblioteca da escola onde estudei no primário

Quando abriram minha gaveta d'inutensílios
Estava lá – meu bloco de poemas

E encontraram, na cabeceira da minha cama,
O caderno de versos do meu pai
Alguém, que ignoro,
Os guardou - Juntos

O tempo havia nos unido, novamente.
O tempo - que escreve

Com a caligrafia do olvido.

Eternidade

Inda é possível encontrar
Um esboço
De eternidade
Nesse porão que é a memória?
Ou no entrave desses velhos
Prédios reformados?

Há resquício
Do eterno
Nos solavancos
Desse mal intentado
Pedido de ilusão?

(Rilke e a certeza de seus anjos
Eliot e a certeza de seu deus...)

Os pergaminhos turvam os olhos
Olhos que
Já viram tanta dor
E hão de ver mais
E mais
Dor

Não seria mais fácil vir
A noite, simplesmente?

Não
A noite não quer o sono
A noite inquieta o louco
E seus planos de carne e osso
Mendicância e fístulas

A noite rejeita o sonífero
A noite esfrega teu rosto maduro
E virgem
Nas pedras deste mistério

Branco resto – futuro pó:
Nas migalhas noctívagas
Terás o ríspido gozo
Da escuridão

Não verás nada
E o destino é a
Bruta inquietação
De uma eterna pergunta
Que viverá mais do que tu