enquanto a justiça não vem
enquanto a verdade não se pronuncia
sobre a face trêmula do medo -
ainda há este abraço
como barcos voltando...
o pão correndo juros
é o templo que habitamos
e nos sustentamos
o trabalho ainda é o que temos
sempre há de ser
o ímpeto de um primeiro passo
e as mãos nunca estarão
suficientemente calejadas
a vitória permanece tímida
na margem do tempo-invenção
eclipse do sono
anti-sonho que não sonhamos
no fim
ainda estamos vivos
enquanto ela não vem
clarear o espaço curto
do quarto e do mundo
Ainda há este abraço
insolúvel
no fim
no fundo
estamos bem
quinta-feira, 31 de julho de 2014
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Não visitei Paris
"conhece-te a ti mesmo"
disse o pensador
para outro camarada
que se vangloriava
de viagens inúmeras
no meu caso:
não fui a Roma
não visitei Paris
não senti o frio londrino
jamais saí deste sul
úmido e deselegante
mas tenho certeza:
para mim tanto faz
seria tudo igual
eu seria o mesmo de agora:
uma preguiça de dizer
alheamento
predisposição para esconderijos
refúgios para a expressividade
co'as sombras
as pessoas seriam as mesmas
comprando a prazo
coçando a bunda
deslumbradas
masturbadas
pelas modernidades
as pessoas seriam as mesmas
com o mesmo talento
de desperdiçar a vida
(sim, e provavelmente
noutro país
haveria um McDonald’s)
conheço a mim mesmo
e deito quase feliz
na minha cama
no meu quarto
sozinho
disse o pensador
para outro camarada
que se vangloriava
de viagens inúmeras
no meu caso:
não fui a Roma
não visitei Paris
não senti o frio londrino
jamais saí deste sul
úmido e deselegante
mas tenho certeza:
para mim tanto faz
seria tudo igual
eu seria o mesmo de agora:
uma preguiça de dizer
alheamento
predisposição para esconderijos
refúgios para a expressividade
co'as sombras
as pessoas seriam as mesmas
comprando a prazo
coçando a bunda
deslumbradas
masturbadas
pelas modernidades
as pessoas seriam as mesmas
com o mesmo talento
de desperdiçar a vida
(sim, e provavelmente
noutro país
haveria um McDonald’s)
conheço a mim mesmo
e deito quase feliz
na minha cama
no meu quarto
sozinho
Metamorfose
somos maleáveis
com louvável diplomacia
lábios sempre prontos para dizer sim
temos a leveza das folhas secas
guardadas num livro
delicadamente
anulamos nossos gestos
machucamos o que seria
uma forma independente de pensar
sacrificamos nosso corpo
em prol do contentamento do algoz
"pode ser"
"como preferir"
"tens toda razão"
oposição e situação
ambas nos manipulam
não temos sangue
nem bandeira
tão só
um riso magro
benevolente
a areia no rosto dos tantos chutes
que levamos
limpamos escondidos
e reprimimos a lágrima
fomos domesticados desde as primeiras surras
castrados
desde as primeiras aulas
assim, pouco a pouco
nos tornamos insetos
adquirimos certa curvatura nas costas
e trejeitos evasivos
mas por ora
quase imperceptível
chegará um dia, no entanto
olharemos no espelho
não seremos mais que baratas
repulsivas baratas
e a vida seguirá
para eles
com louvável diplomacia
lábios sempre prontos para dizer sim
temos a leveza das folhas secas
guardadas num livro
delicadamente
anulamos nossos gestos
machucamos o que seria
uma forma independente de pensar
sacrificamos nosso corpo
em prol do contentamento do algoz
"pode ser"
"como preferir"
"tens toda razão"
oposição e situação
ambas nos manipulam
não temos sangue
nem bandeira
tão só
um riso magro
benevolente
a areia no rosto dos tantos chutes
que levamos
limpamos escondidos
e reprimimos a lágrima
fomos domesticados desde as primeiras surras
castrados
desde as primeiras aulas
assim, pouco a pouco
nos tornamos insetos
adquirimos certa curvatura nas costas
e trejeitos evasivos
mas por ora
quase imperceptível
chegará um dia, no entanto
olharemos no espelho
não seremos mais que baratas
repulsivas baratas
e a vida seguirá
para eles
quarta-feira, 23 de julho de 2014
apontamentos sobre a cidade natal
não há escritores no café
não há vida na livraria
tudo está tão novo
e tão velho
cidade na qual
perdi meus olhos
cidade natal onde perdi
minha fé
apesar de suas ostentações
ainda é a minúscula província
no sul do sul
gente obtusa crê
em sangue sobrenome
e cartão de crédito
prédios históricos
e uma biblioteca imensa sobre
prédios históricos
A riqueza é um passado
construído com ignomínia
Já o presente é irrisório
os doutores
legisladores
gestores
florescem sem discurso
o futuro é umidade
e um pássaro de lama
onde a liberdade?
a estética burguesa
romanceada
bajulada
onde o frio
como aparato
artístico?
cidade na qual
estou entranhado
como um tubérculo
cheio de raízes
uma ilha
de asfalto e concreto
sem chance
de comunicação
não há vida na livraria
tudo está tão novo
e tão velho
cidade na qual
perdi meus olhos
cidade natal onde perdi
minha fé
apesar de suas ostentações
ainda é a minúscula província
no sul do sul
gente obtusa crê
em sangue sobrenome
e cartão de crédito
prédios históricos
e uma biblioteca imensa sobre
prédios históricos
A riqueza é um passado
construído com ignomínia
Já o presente é irrisório
os doutores
legisladores
gestores
florescem sem discurso
o futuro é umidade
e um pássaro de lama
onde a liberdade?
a estética burguesa
romanceada
bajulada
onde o frio
como aparato
artístico?
cidade na qual
estou entranhado
como um tubérculo
cheio de raízes
uma ilha
de asfalto e concreto
sem chance
de comunicação
quarta-feira, 16 de julho de 2014
Sobre uma fotografia de Kevin Carter
Ave de negras penas
espreita o menino
- escultura de deserto e osso -
[qual o dono do cinzel
?
chamem por ele...]
sol / vento estéril
a respiração presa
dedo sujo de nicotina
dispara o obturador
o fotógrafo que colheu
o instante e o eternizou
deu-se conta:
deus não interferia
de que adianta o Pulitzer?
o que é a fama?
andrajo cobrindo a alma
de urubu?
Ave de negras penas
e um menino de pedra
como tirar uma imagem
das retinas
?
deu-se conta:
deus não interferia
sentiu-se culpado
por não interferir
também
preferiu morrer
espreita o menino
- escultura de deserto e osso -
[qual o dono do cinzel
?
chamem por ele...]
sol / vento estéril
a respiração presa
dedo sujo de nicotina
dispara o obturador
o fotógrafo que colheu
o instante e o eternizou
deu-se conta:
deus não interferia
de que adianta o Pulitzer?
o que é a fama?
andrajo cobrindo a alma
de urubu?
Ave de negras penas
e um menino de pedra
como tirar uma imagem
das retinas
?
deu-se conta:
deus não interferia
sentiu-se culpado
por não interferir
também
preferiu morrer
terça-feira, 15 de julho de 2014
poema II
de volta ao parco lápis
o computador
fabricado para não durar
quebrou
duramos pouco - também
um pouco mais, talvez
que o computador
e o lápis
de volta à folha branca
e a caligrafia sanguínea
e a gaveta de madeira
duramos pouco realmente
um tanto mais
que o grafite
e escrever
é vencer
o lápis, o papel
o computador
nós mesmos.
o computador
fabricado para não durar
quebrou
duramos pouco - também
um pouco mais, talvez
que o computador
e o lápis
de volta à folha branca
e a caligrafia sanguínea
e a gaveta de madeira
duramos pouco realmente
um tanto mais
que o grafite
e escrever
é vencer
o lápis, o papel
o computador
nós mesmos.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Vozes no Espelho: eu sonhei um pouco mais
Vozes no Espelho: eu sonhei um pouco mais: eu sonhei um pouco mais para isso tudo, para minha vida, para nós. “é bom que tenhas parado de sonhar...
quarta-feira, 9 de julho de 2014
eu sonhei um pouco mais
eu sonhei um pouco mais
para isso tudo,
para minha vida, para
nós.
“é bom que tenhas
parado de sonhar, teu café esfria
já são 7 horas”
porque dois pães se
não tenho fome?
há quem tenha fome e
sede
olho culpado para os
pães
a essa hora sinto
náusea
onde coloquei minhas
chaves?
os dias
burocraticamente iguais...
e se não forem iguais,
são piores
pois ainda com a
mesmice
é bom, ao menos,
estar saudável
os fins de semana
iguais, também burocráticos
a vazão burocrática...
talvez a cópula dos
peixes seja mais pessoal
é bom, ao menos,
estar saudável
(pensar fazendo a
barba:
nos besouros mecânicos
– nas molas dos relógios
nas bactérias da
esponja velha na ferrugem no barbeador
no coador de café nas
tartarugas que vivem cem anos
porque não fumam no
cara que amputou a perna
por causa da diabetes)
“7 horas e vais
perder novamente o ônibus
7 horas e vais perder
7 horas
definitivamente vais
perder...
perder, perder, perder”
talvez seja bom perder
o ônibus, a hora, o emprego
perder a casa, os
cabelos, os dentes postiços, o despertador
o casamento, a máquina
de lavar, a bicicleta ergométrica
o velocípede, a
torneira rangente, a pastilha de menta
o telefone, o trevo de
quatro folhas
“deixa de ser
patético, homem
faz teu trabalho
humildemente
não reclama, aceita
as ruas estão
apinhadas de miseráveis
eles e eles também não
são livres
a liberdade acaba
dentro do útero
a loba comeu teus
neurônios
estás apenas ossos
ossos patéticos”
ontem alguém disse que já
pensou
em tomar 30 comprimidos
para dormir
e sorriu
eu disse que também
tinha pensado
em fazer o mesmo
nós dois rimos como se
estivéssemos
falando de coisas
triviais
“à noite vamos no
shopping”
sim vamos no shopping,
que boa notícia
vamos no shopping
é uma maravilha ir no
shopping
eu fico de pau duro só
de pensar em ir no shopping
que vida bem
aproveitada ir no shopping
sim, vamos...
muitos anos e esse
portão faz exatamente o mesmo barulho
quando saio
as coisas todas são
previsíveis
mas é bom, ao menos,
estar saudável
eu sonhei um pouco mais
para isso tudo,
para minha vida, para
nós.
sábado, 5 de julho de 2014
bandeiras
vende na avenida
bandeiras auriverdes
flâmulas de polietileno
com lucro estimado de
quarenta centavos a
unidade
aos sessenta e cinco anos está
entre os que não deram certo os
que perderam o bonde e
vivem uma existência minúscula
aos sessenta e cinco os
pássaros cagam na sua cabeça a
vida já cagou muito na sua cabeça
no entanto
perdeu o hediondo desespero e a
lesma existencial da autocomiseração
vende, animado,
suas bandeiras descartáveis
sorri para as crianças
velhos
e para os cães e gatos de rua
apto a qualquer tempo - intempérie
mais forte e seguro que o poeta
pretendido
funcionário público misantropo
que não conseguiu publicar seu livro
mais injetado de vontade de
viver que o ricaço
cujas preocupações escabeladas
com suas empresas e status social e
bagos de ouro
lhe deram um caso de depressão
e hipocondria
vende na avenida
bandeiras auriverdes
a vida venha do jeito que vier
ele está preparado
(um dia estaremos)
Assinar:
Postagens (Atom)