[trecho de um poema mais longo que escrevo sem pressa. ainda sujeito a várias modificações. fica esse projeto, num primeiro momento, que tenta abarcar uma certa unidade.]
muito antes de nos depararmos
com a história de cronos
deus caviloso que devora os filhos
ou de sísifo execrado
à eterna pedra, eterna pena
antes, também, de sabermos decifrar
as letras, suas sutilezas, seus ardis
somos iniciados na leitura das horas
em relógios incansáveis
e juntamente com tal ciência
aprendemos a medir o tempo
através de calendários
o que um menino
poderia ter contra o tempo
se na infância de seus dias
é quase eterno?
na sala que vai se tornando antiga
no pulso ferindo o osso
os relógios, todos, despertam
no tempo certo de
imantarem a noite
com presságios de de cal e sono
e vão assumindo formas diversas:
seja o ronco do encanamento
a torneira pingando
o grito deserto e pontual do cão
na madrugada
o mais terrível objeto
se projeta, o maior algoz
dos frutos, todos
não é o espelho
mas o relógio: monstro vário
nesse contato
tácito com a morte
onde está o projeto
que silencie
a voz miúda das engrenagens?
(sem que percamos esse raro sopro
-instante)
tão engenhosas, engrenagens
a desdenhar de nós
e do relojoeiro
criatura taciturna
e sem tempo
onde, onde
o refúgio da azáfama?
onde não ser sísifo morto-vivo
do cotidiano (num dia que
resume todos)?
não existe, definitivamente
numa forma cabível
aos olhos pequenos
entretanto o que não existe
na cegueira de ver tão só o tátil
pode ser inventado - imaginado
ah, imaginação brinquedo achado inútil
da infância -imaginação
brinquedo doado sem piedade
ao orfanato dos sonhos
e ser imaginação
não é ser menos
tendo em mente
que só o imaginado perdura
nessa luta do homem
contra as rochas
mistério e memória
no ámago desse fruto mal sabido
há um segredo, um esconderijo
na reverdescência dessa arte
o verbo, o verbo:
linguagem
que sempre esteve em nós
linguagem
feita para superar estátuas
colunas que o vento
e a areia consomem
os relógios e os calendários
parvos: sempre poucos
para sublevar as relvas de whitman.
Estás cada vez melhor. É tão bom te ler... obrigada por isso! ;)
ResponderExcluirEu que sou grato pelo grande incentivo. Incentivo que ajuda a fazer sentido continuar! Obrigado, querida!
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