A current under sea
Picked
his bones in whispers.
(T.S. Eliot)
bebia com um amigo
duas cervejas ou mais
num melancólico happy hour
entre nós
uma conversa pausada
e sem pressa
a cada silêncio do nosso
diálogo
chegavam fragmentos verbais
de todos que também ali
estavam:
futebol, previsão
meteorológica,
falta de dinheiro, política
gentes de diversas as idades
falavam energicamente
e uma televisão brotava da
parede
interagindo com o palavrório
meu amigo e eu
voltávamos a falar
parcimoniosamente
até a próxima brecha
na qual a multidão vinha nos
compartilhar
seus dilemas alegrias e
problemas
e numa dessas lacunas do
nosso diálogo
ouvi, crescendo o som marítimo
em ondas ligeiras
estrondo cólera de um ignoto
mar
cada vez mais forte e
ensurdecedor
e as vozes das pessoas que
ali estavam
foram silenciadas pelo
turbilhão d’água
todos estavam sendo levados
pela inundação
homens mulheres crianças:
foram suplantados daquele
momento
daquele tempo
quando fui falar com meu
amigo
ele não estava mais ali
provavelmente havia sido
levado também
pelas águas brutais
fiquei sozinho
bebendo
talvez ele nem estivesse ali
em momento algum
meu amigo...
por graça divina as ondas
não haviam arrastado o barman
que me serviu mais uma
cerveja
e eu fiquei ali conversando
comigo
esperando que as ondas viessem
me buscar
finalmente
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