terça-feira, 19 de abril de 2016

Morte pela água

No bar de esquina
Com um inominável país
E perto do fim
Eu bebia com um amigo

Entre nós
Uma conversa calma
E antiga – de bons
& velhos camaradas

A cada silêncio do nosso diálogo
Avizinhavam-se fragmentos verbais
De todos que ali estavam:

O futebol, ah, o futebol
Muito futebol,
Previsão meteorológica,
Dinheiro, dinheiro e política

Pessoas de diversas as idades
Falavam energicamente
E uma televisão grunhia na parede 

Voltávamos a falar
Parcimoniosamente
Até a próxima pausa:

Quando a multidão vinha nos compartilhar
Seus dilemas alegrias e problemas
E mais futebol e dinheiro e política

E numa lacuna do nosso diálogo
Ouvi, crescendo o som marítimo
Em ondas ligeiras

Estrondo cólera de um ignoto mar
Cada vez mais forte e ensurdecedor
E as vozes das pessoas que ali estavam
Foram silenciadas pelo turbilhão d’água

Todos estavam sendo levados pela inundação
Homens mulheres crianças:
Foram suplantados daquele momento
Daquele tempo

Quando fui falar com meu amigo
Ele não estava mais ali
Provavelmente havia sido levado também
Pelas águas brutais

Fiquei sozinho
Bebendo
Talvez ele nem estivesse ali
Em momento algum
Meu amigo...

Por graça divina as ondas
Não haviam arrastado o barman
Que me serviu mais uma cerveja
E eu fiquei  conversando comigo mesmo
Esperando que as ondas viessem me buscar
Finalmente.

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